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A mãe de todas as patentes ( Folha de S. Paulo)

Mesmo abominando a palavra "empreendedorismo", é preciso dizer que o jornalismo científico brasileiro carece precisamente dele. Não por falta de empenho e qualificação de seus praticantes, nem no sentido de fazer dinheiro com isso, mas de investir os recursos necessários para levantar as histórias mais cabeludas. Como exemplo, cito o trabalho de Andrew Pollack no jornal "The New York Times" sobre as patentes da eritropoietina (EPO) -um medicamento que pode permanecer três décadas sob monopólio da empresa americana Amgen.

 

Não há propriamente invenção, mas isolamento e síntese de uma substância da natureza

 

Fique por ora entre parênteses a questão de saber se é legítimo conceder privilégio patentário a uma substância da qual dependem hoje milhões de pessoas submetidas a terapias devastadoras, como hemodiálise e quimioterapia. A EPO estimula a produção de glóbulos vermelhos do sangue, também chamados de eritrócitos. Tornou-se arma definitiva para combater variadas formas de anemia, mas ficou mais conhecida por originar uma nova modalidade de doping, uma vez que mais glóbulos vermelhos em circulação melhoram o desempenho aeróbico de atletas.

 

 

Entre colchetes, dentro dos parênteses, permaneça também o fato, considerado ilegítimo por muitos, de que a patente da EPO na realidade confere propriedade sobre um gene, e ainda por cima humano. Como explica Pollack na sua reportagem de 23 de dezembro passado, um cientista da Amgen identificou e soletrou as "letras" (bases nitrogenadas) da seqüência de DNA que especifica a ordem dos aminoácidos integrantes da proteína EPO, naturalmente presente no corpo. Depois, usou a informação para ensinar células de roedores a produzi-la em grandes quantidades.

 

 

Não há propriamente invenção nisso, mas isolamento e síntese biológica de uma substância da natureza. Ora, na origem, as patentes eram "de invenção", argumentam os críticos. Mas chega de parênteses e colchetes: o fato é que, legítimas ou ilegítimas, as sete patentes sobre a EPO detidas pela Amgen nos Estados Unidos lhe dão carta branca para cobrar o preço que bem entender. Traduzido em dólares, um faturamento de 29 bilhões desde 1989.

 

 

Sem crise, dirão os defensores de patentes: é a remuneração justa da pesquisa e do desenvolvimento. As patentes expiram em no máximo 20 anos, e depois disso qualquer empresa poderá fabricar EPO sem ter de pedir e pagar licença à Amgen. Com efeito, a primeira das sete extinguiu-se em 2004. Só que as outras seis, cobrindo todo tipo de uso e aplicação da EPO, foram sendo apresentadas ao longo da última década. Não é improvável, assim, que o monopólio prossiga até 2015, revela a matéria de Pollack.

 

 

Na Europa, a cobertura já expirou. A Roche planeja lançar em 2007 um medicamento para competir com a EPO da Amgen. Preventivamente, no entanto, a empresa americana iniciou em novembro um processo de infração de patente contra a concorrente suíça. Como disse a Pollack o analista Mark Schoenebaum, essa pode ser considerada "a mãe de todos os casos de patentes biotecnológicas".

(MARCELO LEITE)

 

Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor dos livros paradidáticos "Amazônia, Terra com Futuro" e "Meio Ambiente e Sociedade" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia (cienciaemdia.zip.net).



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