Veículo: Site: Jornal da Paulista - Seção: Reportagem - maio de 2004
Entidades apontam risco de encarecer o atendimento a portadores de HIV, mas a eventual mudança também pode afugentar o investimento privado na pesquisa de novos medicamentos.
ALESSANDRA PEREIRA
A expectativa de que o Programa Nacional de DST e Aids - que distribui gratuitamente remédios contra o HIV - seja prejudicado nos próximos anos acendeu uma polêmica sobre mudar ou não a lei brasileira de patentes. Organizações-não governamentais da área de saúde alertam para a iminente chegada de 14 novos medicamentos ao mercado. Quando eles forem incluídos no coquetel distribuído pelo Ministério da Saúde, o custo do programa de DST e Aids aumentará, e muito. Motivo: são drogas protegidas por patentes, mecanismo legal que garante aos inventores de um produto o direito de monopólio da fabricação e venda por 20 anos.
Já a iniciativa privada e a UNIFESP vêem com apreensão qualquer medida que possa desestimular o sistema de patentes. Temem que nessa disputa a pesquisa científica leve a pior. "Os laboratórios não investirão em pesquisa se não vislumbrarem nenhuma forma de lucro", avalia a coordenadora do Núcleo de Propriedade Intelectual (Nupi) da UNIFESP, advogada Cristina Assimakopoulos.
O seminário "10 anos de Trips: Em busca da Democratização do Acesso à Saúde", que ocorreu recentemente em São Paulo, foi o palco da discussão sobre a Lei 9279/96, que regula as patentes no país. O evento, foi promovido pela ONG Médicos Sem Fronteiras, Faculdade de Direito da USP e Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, entre outras entidades.
AUMENTO DE CUSTO
Hoje o governo gasta R$ 600 milhões para distribuir a 140 mil brasileiros soropositivos os 15 remédios anti-retrovirais - apenas três medicamentos consomem 66% do valor. Esse custo será multiplicado com a inclusão das novas drogas. A principal razão dessas preocupações, apontada pelo deputado federal Roberto Gouveia (PT/SP), é o fato de, em 1996, o Brasil ter aprovado uma lei de patentes mais rigorosa e restritiva no acesso a medicamentos que o tratado internacional que trata do assunto. O Trips (Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) estabelece padrões mínimos para a proteção de patentes para todos os países membros da Organização Mundial do Comércio.
A opção adotada pelo Brasil naquela ocasião pode ter sido precipitada. Segundo o acordo Trips, países em desenvolvimento teriam até 2006 para se adequar à legislação internacional e reconhecer patentes. A Índia, por exemplo, aproveitou esse período de transição e se tornou um dos grandes produtores de genéricos, parte deles exportado para o próprio Brasil.
De acordo com documento da organização Médicos Sem Fronteiras, o preço cobrado pelos detentores de patente para um coquetel de medicamento anti-HIV continua em torno de US$ 10 mil por paciente nos mercados ricos. Nos locais onde não há patentes impedindo sua produção, empresas de genéricos colocam esses medicamentos no mercado por menos de US$ 300.
Para tentar mudar esse quadro, o deputado Roberto Gouveia apresentou um projeto para modificar a lei de patentes. O texto, em tramitação na Câmara, sugere que medicamentos para Aids sejam considerados matéria não-patenteável. Isso permitiria aos laboratórios nacionais produzir genéricos de novas drogas.
Uma outra proposta da Faculdade de Direito da USP e do Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento (Idcid) , sugere que o segundo uso ou nova formulação de uma substância já conhecida não sejam mais patenteáveis, como ocorre atualmente. "O novo uso não representa nenhum passo inventivo e dificulta a compra de medicamentos que cairiam em domínio público", afirma Maristela Basso, professora de Direito da USP e uma das autoras da proposta.
Já a coordenadora do Nupi/UNIFESP Cristina Assimakopoulos acredita que mudanças na legislação sobre patentes são inviáveis se ficarem restritas ao Brasil. Como produtora de conhecimento científico, a universidade tenta conciliar a lógica de mercado com a visão acadêmica e social. "Queremos patentear nossas descobertas e dar uso social à pesquisa", diz. Cristina cita o exemplo de um remédio para tratar pedra nos rins que está sendo desenvolvido no Departamento de Nefrologia e cuja patente de novo uso deve ser compartilhada com um laboratório. A UNIFESP incluiu no contrato com a empresa farmacêutica que irá produzir a droga uma cláusula prevendo a doação do produto (a quantidade não foi definida) para o Hospital São Paulo. "Procuramos laboratórios idôneos para impedir que outros vendam remédios abusivos e façam mau uso das patentes", conclui.